Vidigal, meu bairro...
Eu sou aquela amorosa
De tuas subidas estreitas,
Sinuosas,
Curtas,
Indecisas,
Entrando,
Saindo
Uma das outras,
Cruzando os caminhos.
Eu sou aquela menina
da casa dos cachorros.
Eu sou Aninha
Pro meu avô: Tuquinha !
Eu sou aquela menina
Que ficou comprida,
Alta, atrevida, sonhadora, com segredos,
Estudante do “Stela Maris”.
Que passa pelo larguinho
Subindo as escadas estreitas,
Mirando o céu,
Contando estórias,
Fazendo adivinhação,
Cantando músicas novas
De novelas da Globo.
Eu vivo nas tuas lembranças
E fogos
E motos
E minhas amigas legais,
Recebendo meus primos nojentos
Que ninguém merece !
Eu sou aquela aluna esforçada,
Receosa das aulas de ginástica,
Gosto dos Jardins do “Stella”
Onde se debruça
Um antigo jasmineiro
Cheiroso
Nos canteiros cuidados
Pelas Madres carinhosas
Mãos puras de fadas.
Eu sou o meu bairro
Com casas trepadas,
Encostadas, com vista pro mar,
Cochichando umas com as outras.
Eu sou a ramada
Das amendoeiras sem flores
Que produzem castanhas
Varridas do chão
Com destino sem fim,
Nas lixeiras da Comlurb.
Eu sou o caule
Dessas amendoeiras sem classe,
Nascidas na frincha das pedras,
Soberanas e sombrosas,
Imponentes, mudando na primavera,
No inverno e no outono.
São molduras de quadros do mar,
Renitentes,
Indomáveis,
Cortadas,
Maltratadas,
Furadas pra postes
E renascendo.
Eu sou a dureza
Desses morros revestidos,
Enflorados,
Lascados a machado,
Lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo e pelos fogos
Surdos, barulhentos
Renascidos em crianças de mães jovens
E apontando “Dois Irmãos” pro céu.
Minha vida,
Meus sentidos,
Minha beleza "girafal",
Todas as vibrações
Da minha sensibilidade de jovem,
Têm aqui, no Vidigal, suas raízes.
Eu sou a menina comprida
Da casa dos cachorros;
Eu sou Aninha,
Mas, Tuquinha, do meu avô.
(Adaptado de “Minha Cidade” de Cora Carolina – em 19/02/2004 (04:50) para Ana Carolina pelo avô coruja).